sábado, 29 de novembro de 2014

No Tate Modern Museum


Desde o instante em que capturei essa imagem, contraí dívida com uma nova história. De lá para cá se passaram longos e fartos meses a ponto de nem mais saber de cabeça a data exata em que foi registrada, exceto de que aconteceu em uma de nossas idas à Londres. Na ocasião, estávamos visitando o Tate Modern Museum a pedido da nossa hóspede que, por ser artista, entende de arte; e, por ser minha irmã, entende da minha quase total ignorância sobre o assunto.
Já, os filhos, esses não compartilham da dominância de todos os nossos genes, e ainda bem por isso, de forma que meu mais velho nasceu predisposto a se tornar um artista. Anos atrás não saberia dizer ao certo se o menino é dado a ser artista ou arteiro, contudo, desde o advento de uma menina em nossas vidas, ficou clarividente que o menino é artista enquanto a menina só poderia ser arteira.
Voltando ao passeio, bem provável que essa curta viagem à Londres tenha ocorrido em um sábado. Certeza absoluta, porém, de que não foi em dia de sol. Sinto, inclusive, gotas finas de garoa apagando os traços que me falham na memória, o que não vem ao caso na compreensão da arte ou da história.
Dentro do museu me chamou à atenção o pé direito absurdamente alto e a grande quantidade de corredores sugerindo um labirinto projetado por Dédalo, motivo pelo qual já me encontrava mentalmente perdida em um deles. Seguimos, eu e o menino, por um amplo corredor do piso superior que desembocava em uma sala cujas paredes foram tingidas em ocre tão orgulhoso quanto vibrante, quebrando a monotonia dos olhos da gente. Logo à entrada havia uma espécie de bancada, protegida por vidro, onde eram expostas as obras do artista cujo nome não me lembro de pronto.
Mas me lembro de ter explorado o acervo em insuperáveis dois minutos, contrapondo ao menino que se demorou em cada um dos contornos denunciados pelo grafite. Haja vista o disparate, enrubesci de vergonha, presumindo-me muito objetiva em resposta à subjetividade que as obras exigiam de mim. Diminuí a marcha, saquei meu celular do bolso da calça jeans e fotografei algumas das gravuras, movida agora por novo interesse. Dali a pouco retornou o menino, vindo da outra extremidade da bancada, como faria o carretel escorregadio de uma máquina datilográfica chegando à eminência de uma das margens do papel. Perguntei: “E então, está gostando das gravuras?”
Ele franziu a testa, retorceu os lábios justapostos e antes que eu conseguisse extrair alguma mensagem subliminar dessa feição impressionista, respondeu-me com outra pergunta “Ele era criança, né?”
“Como assim?” repliquei, tentando disfarçar que achava graça do comentário.
 “Ele (o artista)... Quando fez esses desenhos... Era da minha idade. Não era?”
Tenho cá pra mim que caso os outros adultos estivessem ouvindo nossa conversa, responderiam, em uníssono, com um grave e revoltado não. Alguns, quem sabe, menos ofendidos, teriam se rendido ao riso. No entanto todos estariam de acordo que o artista já era crescido quando criou as formas borradas pelos rastros de grafite. Que me perdoem os acadêmicos, mas foi divertidíssimo rever aquelas gravuras à luz da interpretação espontânea e sincera de uma criança.
Quem dera todos os museus dispusessem de guias infantis durante incursões culturais como essa, pois tornariam os matizes ainda mais brilhantes, as esculturas ainda mais sinuosas e os corredores ainda mais convidativos. Seriam autênticos mecenas da arte moderna.
Não fosse a fecundação, mote que inspirou a gravura da foto, um tema demasiadamente adulto, concordaria com o menino sem desmerecer o talento do autor e o valor artístico da obra, porquanto, fecunda mesmo, é a curiosidade dos aspirantes à artista que um dia já fomos.