quinta-feira, 2 de junho de 2016

No more tears

O caçula não se dá bem com portas fechadas, talvez por uma intolerância adquirida ao nascer, quando todos os empecilhos biológicos acabaram por ser dramaticamente rompidos para a saída triunfal do útero.

O menino pensa que todas as entradas e saídas devem estar escancaradas ao seu bel prazer. Ele chega sorrateiro, empurrando a porta ora encostada, ora entreaberta. Mal consigo visualizar mentalmente a cena sem sucumbir ao riso. Agora, agorinha, até posso, mas à hora do banho não me é agradável, nem engraçado, tirar o xampu da cabeça sendo observada pelos olhos terrivelmente ressentidos do pequeno intruso. Sem contar a sonoplastia que é de cortar o coração. Ele manda muito bem no choro. Sim, digamos que o rapaz tem talento. O estribilho é de livre autoria minha:

Não, mãe...
Não foi esse o nosso contrato;
Não, mãe...
Banho não pode, não.

E ele se segura no batente para não desmoronar, ato falho do qual a porta o salva por um triz. A pele felpuda do bebê vai se enrubescendo num rompante febril até que o frenesi alcança o nível máximo da frustração. Que pensamento poderia levá-lo a sofrer tanto? Talvez confabule, em parco e inocente vocabulário, que a mãe jamais sairá do banho, considerando que o “jamais” em sua percepção de tempo possa equivaler a breves cinco minutos.

Será a mesma percepção de tempo que tenho em relação à sua primeira infância, tão longa enquanto durar? Quando se passarem os breves cinco minutos disfarçados de dias, meses e anos, talvez eu tome seu lugar à porta. Obviamente não àquela, mas à porta que se abre ao novo. Estarei aguardando-o chegar ao longe, uma vez mais, ansiosa por ouvir o ritmo oco dos seus passos. Antevejo-me com os olhos molhados, a pele febril e a voz abafada.

Quando se passarem esses tais cinco minutos, ele entenderá que apenas as portas certas se abrirão para ele.