O caçula não se dá bem com portas
fechadas, talvez por uma intolerância adquirida ao nascer, quando todos os
empecilhos biológicos acabaram por ser dramaticamente rompidos para a saída
triunfal do útero.
O menino pensa que todas as
entradas e saídas devem estar escancaradas ao seu bel prazer. Ele chega
sorrateiro, empurrando a porta ora encostada, ora entreaberta. Mal consigo
visualizar mentalmente a cena sem sucumbir ao riso. Agora, agorinha, até posso,
mas à hora do banho não me é agradável, nem engraçado, tirar o xampu da cabeça
sendo observada pelos olhos terrivelmente ressentidos do pequeno intruso. Sem
contar a sonoplastia que é de cortar o coração. Ele manda muito bem no choro.
Sim, digamos que o rapaz tem talento. O estribilho é de livre autoria minha:
Não, mãe...
Não foi esse o nosso contrato;
Não foi esse o nosso contrato;
Não, mãe...
Banho não pode, não.
E ele se segura no batente para
não desmoronar, ato falho do qual a porta o salva por um triz. A pele felpuda
do bebê vai se enrubescendo num rompante febril até que o frenesi alcança o
nível máximo da frustração. Que pensamento poderia levá-lo a sofrer tanto? Talvez
confabule, em parco e inocente vocabulário, que a mãe jamais sairá do banho,
considerando que o “jamais” em sua percepção de tempo possa equivaler a breves
cinco minutos.
Será a mesma percepção de tempo
que tenho em relação à sua primeira infância, tão longa enquanto durar? Quando
se passarem os breves cinco minutos disfarçados de dias, meses e anos, talvez
eu tome seu lugar à porta. Obviamente não àquela, mas à porta que se abre ao
novo. Estarei aguardando-o chegar ao longe, uma vez mais, ansiosa por ouvir o
ritmo oco dos seus passos. Antevejo-me com os olhos molhados, a pele febril e a
voz abafada.
Quando se passarem esses tais
cinco minutos, ele entenderá que apenas as portas certas se abrirão para ele.